A Parashá Matot (בְּמִדְבַּר מַּטּוֹת – Números 30:2–32:42) trata, entre outros
temas, da seriedade dos votos (נְדָרִים nedarim) e juramentos
(שְׁבוּעוֹת shevuot) feitos diante de Elohim. Logo em
seus primeiros versículos, a Torá estabelece que aquele que faz um voto ou
juramento a YHWH não deve violar a sua palavra, mas deve cumprir tudo o que
prometeu.
Quando um homem fizer voto a
YHWH, ou juramento, para obrigar-se com renúncia, não violará a sua palavra;
segundo tudo o que sair da sua boca, fará.
(Bamidbar/Números 30:2)
Esse princípio revela o quanto a
Torá valoriza a palavra dada — tanto perante os homens quanto diante de Elohim.
A tradição judaica entende que a fala do ser humano, feita “à imagem e
semelhança de Elohim”, tem um poder criador e vinculativo. Por isso, o mau uso
das palavras ou o descuido nos compromissos pode se tornar um pecado grave
diante do Eterno.
A tradição judaica e o peso
das palavras
O Talmude (Nedarim 77b) trata com
extrema seriedade o ato de fazer votos. Tanto que os sábios estabeleceram
mecanismos para anulação formal de votos, quando estes se mostravam imprudentes
ou inviáveis. A cerimônia de hatarat nedarim (liberação de votos), por exemplo,
é feita antes de Yom Kipur para assegurar que a pessoa não entre no Dia do
Juízo com pendências espirituais resultantes de promessas não cumpridas.
Segundo os comentaristas, o voto
é uma forma de autoimposição espiritual: a pessoa torna algo permitido em
proibido para si mesma por meio de sua própria palavra. Portanto, a palavra
torna-se uma lei pessoal, e quebrá-la sem justificação e sem arrependimento
equivale a quebrar a própria Torá.
Yeshua e a integridade do
falar
Yeshua, como fiel intérprete e
cumpridor da Torá (Mt 5:17), ecoa e aprofunda o ensino da Parashá Matot quando
afirma:
Seja o vosso ‘sim’, sim; e o
vosso ‘não’, não; o que passar disso vem do maligno.
(Mateus 5:37)
Esse ensinamento aparece no
contexto do Sermão do Monte, em que Ele trata justamente do tema dos juramentos
(Mateus 5:33–37). Ao contrário de abolir os princípios da Torá, Yeshua está
chamando o discípulo à coerência interior: não se deve depender de fórmulas
juramentadas para falar com verdade. O simples compromisso verbal já deve ter a
mesma integridade que um voto diante de Elohim.
Na tradição dos primeiros
seguidores de Yeshua, encontramos eco dessa mesma orientação:
Acima de tudo, meus irmãos,
não jureis, nem pelo céu, nem pela terra... que o vosso sim seja sim, e o vosso
não, não, para que não caiais em condenação.
(Tiago/Yaakov 5:12)
A palavra do discípulo do Messias
deve ser tão confiável que não necessita de reforço com juramentos ou votos
solenes. A ênfase está na honestidade, sobriedade e responsabilidade ao falar —
exatamente o espírito da Parashá Matot.
Compromissos e Alianças
Outro tema abordado em Matot é a
responsabilidade coletiva e familiar diante dos votos, especialmente entre
marido e esposa ou pai e filha (Nm 30:3–16). Esse princípio revela que os
compromissos espirituais não são apenas individuais: as palavras de um afetam a
vida de outros. Isso nos lembra que no Reino de Elohim, não existe vida
isolada: somos chamados a viver em alianças mútuas de fidelidade, edificação e
submissão mútua (Ef 5:21).
Do mesmo modo, ao fazermos parte
do Corpo do Messias, cada palavra que proferimos pode edificar ou ferir, unir
ou separar. Sha’ul (Paulo) alerta:
Nenhuma palavra torpe saia da
vossa boca, mas só a que for boa para edificação, conforme a necessidade, e
assim transmita graça aos que ouvem.
(Efésios 4:29)
Votos no contexto messiânico
Embora os votos e juramentos
ainda tenham lugar legítimo na vida do servo de Elohim, o ensino messiânico
aponta para uma ética mais elevada, em que toda palavra dita é como se fosse
diante do trono de Elohim.
Por isso, o próprio Messias
advertiu que “de toda palavra frívola que os homens disserem, hão de dar
conta no Dia do Juízo” (Mateus 12:36). Isso nos leva à reflexão: quantas
vezes falamos com leviandade, prometemos por impulso ou nos comprometemos sem
reverência?
Na Nova Aliança, a voz que
promete deve ser sustentada por uma vida que cumpre. A espiritualidade
autêntica começa na fidelidade silenciosa das pequenas palavras.
Conclusão
A Parashá Matot nos convida a
refletir sobre o poder e a responsabilidade da palavra. A Torá, os sábios e o
próprio Mashiach nos chamam a uma vida de veracidade, coerência e integridade.
Aqueles que seguem Yeshua são
chamados a honrar seus compromissos, a edificar os outros com o que falam, e a
permitir que cada palavra seja um reflexo da santidade do Reino que
representam.
Que possamos falar menos e
cumprir mais. Que nossas palavras sejam poucas, mas firmes. E que, como
discípulos do Messias, sejamos reconhecidos por nossa fidelidade — não apenas
em grandes gestos, mas na simplicidade de um “sim” confiável e de um “não”
respeitoso.
O que promete e cumpre, esse
honra ao Senhor.
(Salmo 15:4, paráfrase)
Francisco Adriano Germano
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