O ódio é uma emoção poderosa,
capaz de consumir não apenas a quem o odeia, mas também a sociedade como um
todo. Em uma era marcada por conflitos étnicos e religiosos, a mensagem da
porção da Torá, a Parashá Ki Tetzê, soa mais relevante do que nunca. Nela,
Moshê (Moisés) instrui o povo de Israel com uma ordem surpreendente:
Não abominarás o edomita, pois
é teu irmão; nem abominarás o egípcio, pois estrangeiro foste na sua terra.
Deuteronômio 23:7
Essa ordem pode parecer simples à
primeira vista, mas carrega uma profundidade imensa, especialmente considerando
o contexto histórico. O povo egípcio, sob o domínio do Faraó, havia escravizado
os israelitas, submetendo-os a um regime brutal de trabalho forçado e, em um
ato de genocídio, ordenou que todos os meninos hebreus fossem jogados no Nilo.
Como, então, a Torá poderia
instruir o povo a não odiar seus opressores?
O rabino Jonathan Sacks, em sua
análise perspicaz [1], oferece a chave para essa questão: para ser
verdadeiramente livre, é preciso abandonar o ódio. Se o povo de Israel
continuasse a odiar seus antigos inimigos, Moshê teria apenas tirado os
israelitas do Egito, mas não teria tirado o Egito de dentro deles. Eles
permaneceriam mentalmente escravos do passado, acorrentados pelo rancor e pelo
ressentimento.
A escravidão não é apenas uma
condição física; é também um estado mental. A liberdade, portanto, requer a
libertação do espírito. A Torá, ao ordenar que Israel não odiasse, estava
oferecendo um caminho para uma libertação completa e duradoura. Ela ensina que
viver com o passado é diferente de viver no passado. Viver com o passado é
lembrar para aprender e não repetir. Viver no passado é ficar preso a ele,
permitindo que as feridas e os ressentimentos moldem o presente e o futuro. O
judaísmo é uma religião de memória, mas essa memória serve ao propósito do
futuro, não do passado.
A libertação da escravidão,
conforme ensinado na Torá, exigia uma redefinição radical da identidade. Os
israelitas precisavam abandonar a mentalidade de vítimas, de escravos, e
abraçar uma nova forma de ser, a de um povo livre. O ódio é um fardo pesado, que
impede essa transição. Ele nos mantém atados à dor, à injustiça e à humilhação
que sofremos, transformando a vítima em um perpetrador em potencial, preso em
um ciclo de violência e vingança.
O Ensino de Yeshua: Amor em
vez de Ódio
A mensagem de Moshê na Parashá Ki
Tetzê encontra seu eco mais profundo e radical nos ensinamentos de Yeshua
HaMashiach. Yeshua não apenas reafirmou o mandamento de amar o próximo, mas o
expandiu de uma forma que desafiou toda a lógica humana: amar os inimigos.
Em seu Sermão da Montanha, Yeshua
declara:
Ouvistes que foi dito: ‘Ame o
seu próximo e odeie o seu inimigo.’ Mas eu lhes digo: Amem os seus inimigos e
orem por aqueles que os perseguem, para que vocês possam ser filhos do Pai de
vocês que está nos céus.
Mateus 5:43-45
Essa exortação de Yeshua não é um
mero ideal utópico, mas uma condição para a verdadeira liberdade. O ódio, como
uma corrente, nos prende àqueles que nos feriram. Amando nossos inimigos,
não estamos validando suas ações, mas nos libertando de seu controle sobre
nossas emoções e nossa vida. O ódio nos torna escravos, enquanto o amor nos
torna livres, nos permitindo viver de acordo com a natureza de Elohim, que faz
com que o sol nasça sobre maus e bons e a chuva caia sobre justos e injustos.
O apóstolo Paulo, por sua vez,
complementa essa ideia em suas cartas. Em Romanos 12:21, ele escreve: “Não
se deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem.” Ele ensina que a
resposta ao ódio não deve ser mais ódio, pois isso apenas perpetua o ciclo de
violência. A única forma de quebrar essa cadeia é através do amor, da bondade e
da compaixão.
O Poder do Perdão e da Memória
O perdão, no ensino de Yeshua e
dos apóstolos, não é um sentimento, mas uma decisão. É um ato de amor que
nos liberta do passado. Perdoar não significa esquecer a injustiça, mas
escolher não deixar que a injustiça nos defina. O perdão nos permite
lembrar sem sermos escravizados pela dor da lembrança.
No artigo do rabino Sacks aponta
que o judaísmo é uma religião que valoriza a memória para o bem do futuro, não
do passado. Essa ideia é fundamental para a compreensão do perdão. Não somos
chamados a esquecer o que sofremos, mas a usar a memória como um catalisador
para a compaixão e para a prevenção de futuros males. A Torá diz: “Não
oprimam o estrangeiro, porque vocês sabem o que é ser um estrangeiro”,
transformando a experiência da opressão em uma fonte de empatia.
Esse é o mesmo princípio que
vemos na vida dos primeiros seguidores de Yeshua. Eles foram perseguidos,
humilhados e mortos, mas não responderam com ódio. Eles oraram por seus
perseguidores e amaram seus inimigos, refletindo o caráter de Yeshua, que na cruz
orou: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo”.
O Legado de uma Mensagem
Atemporal
A mensagem da Parashá Ki Tetzê
ressoa com a urgência de nossos tempos. O ódio, alimentado pela vingança e pelo
ressentimento, continua a gerar violência e sofrimento em todas as partes do
mundo. A verdadeira liberdade não reside na capacidade de retribuir o mal, mas
na coragem de perdoar, de amar e de quebrar o ciclo de ódio.
Como seguidores de Yeshua, somos
chamados a ser agentes de paz, a sermos luz em meio à escuridão. Isso começa
com a decisão de soltar o ódio que carregamos em nossos corações. É um ato de
coragem, um sinal de força, não de fraqueza. É a prova de que a escravidão
física pode ter acabado, mas a verdadeira libertação só vem quando abandonamos
o ódio.
"Um povo que perdoa
constrói confiança no seu futuro." Como Rabbi Sacks sabiamente
ensinou: "Odeie o pecado, não o pecador. Não seja definido pelos seus
inimigos, mas defina-se pelo amor."
Que possamos ser pessoas capazes
de lembrar do passado com sabedoria, viver no presente com misericórdia e
caminhar rumo a um futuro verdadeiramente liberto, guiados por Yeshua, em uma
liberdade real que não é limitada pelo rancor.
Francisco Adriano Germano
Notas:
1. https://rabbisacks.org/covenant-conversation/ki-teitse/letting-go-of-hate/
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