A Parashá Shoftim (Devarim 16:18–21:9) oferece um conjunto fascinante de orientações para construir uma sociedade justa: magistrados, profetas, reis, cidades de refúgio, regras de testemunho, procedimentos de guerra e soluções para assassinatos não resolvidos formam a espinha dorsal da sociedade israelita [1].
Em essência, trata-se de um
manual prático para a vida comunitária e pessoal, mas que transcende a simples
organização social, revelando-se como uma fonte profunda de sabedoria ética e
espiritual, capaz de moldar corações, orientar decisões e alinhar a justiça
humana com os valores eternos de Elohim.
Justiça que se Ouve e se Vive
Moisés começa esta porção
ordenando juízes em cada cidade, exigindo que sejam imparciais e acessíveis. “Tzedek
tzedek tirdof” — “justiça, justiça perseguirás” — é o fio condutor: a lei
deve ser aplicada com integridade e sensibilidade, sem privilégios ou medo.
Essa visão ecoa não só nos
ensinamentos rabínicos, mas também em Yeshua. Quando Ele condena os escribas e
fariseus por corrigirem externamente levando o peso de regras sem justiça
interior (Mateus 23), Ele está, na verdade, resgatando o espírito de Shoftim: a
justiça deve tocar o coração e moldar a comunidade.
Vozes de Esperança, não
Oráculos de Desespero
Entre as estruturas de liderança, Shoftim afirma a figura do profeta — aquele que fala em nome de Elohim.
Mas
como distinguir o verdadeiro do falso?
O rabino Jonathan Sacks destaca que
profecias negativas (discursos de calamidade) não podem ser testadas com
precisão. Um profeta pode falar sobre desastre, e se isso não se concretiza,
ele se defende dizendo que “Elohim se arrependeu” [2]. Mas profecias
positivas são testáveis: se algo positivo é prometido e não acontece, então a
previsão falhou — e o “profeta” não é confiável.
Isso reflete uma profunda
compreensão sobre liderança espiritual: ela é testada não por desgraças, mas
pelo cumprimento de promessas de esperança.
O Profeta Prometido
É neste contexto que Moisés
anuncia uma promessa grandiosa:
YHWH teu Elohim, levantará
para vocês um profeta como eu, dentre os seus irmãos. Vocês devem ouvi-lo.
(Deuteronômio 18:15)
Essa profecia ecoa como a
esperança de um profeta definitivo, alguém que não apenas transmitiria
palavras divinas, mas traria a própria presença de Elohim ao povo. Os
apóstolos identificaram claramente esse cumprimento em Yeshua, o Profeta
semelhante a Moisés, mas maior do que ele. Assim como Moisés intercedeu,
libertou e ensinou a Torá, Yeshua veio para revelar a plenitude da vontade do
Pai, conduzindo-nos não apenas à Terra Prometida, mas à vida eterna.
No Monte da Transfiguração, uma
voz do céu confirma essa ligação: “Este é o meu Filho amado, em quem me
agrado; a Ele ouvi” (Mateus 17:5). É a reafirmação celestial da
promessa de Shoftim — o Povo de Elohim deve ouvir Yeshua.
Aplicação no Ensino de Yeshua
e dos Apóstolos
Yeshua se enquadra nesse padrão
de liderança espiritual responsável. Ele não prega futilidade, mas um Reino
vindouro — um futuro de restauração. E é com autoridade e caráter que
transforma vidas.
Os apóstolos, por sua vez, seguem
esse molde de esperança. Paulo escreve à comunidade de Corinto não apenas para
lembrá-los das doutrinas, mas para desafiá-los a viver de forma que a mensagem
resplandeça (2 Coríntios 3:2-3). Pedro exorta os crentes a viverem com
integridade entre os gentios, de modo que, mesmo acusados, suas boas obras
glorifiquem a Elohim (1 Pedro 2:12).
Em ambos os casos, o ensino
bíblico se torna uma voz viva, com poder de mudança — um verdadeiro teste de "profeta",
não pela previsão do futuro, mas pela capacidade de gerar transformação
presente.
A Distribuição Equilibrada do
Poder
Outro ponto central de Shoftim é
o delineamento dos três papéis de liderança: sacerdotal, governamental e
profético — as chamadas “três coroas” [3]. Essa separação de
poderes é um princípio revolucionário, que precede teorias políticas modernas
como a separação dos poderes.
O profeta permanece como um
contrapeso moral ao rei e ao sacerdote. Sua voz é a bússola da fidelidade ao
propósito divino, especialmente quando o poder ameaça se corromper.
Nos Evangelhos, vemos o Mashiach
– o Profeta Supremo – falando verdades universais, confrontando autoridades
religiosas e políticas de seu tempo. Ele não se torna rei político, mas ensina
o caminho da verdadeira liderança: humildade, sacrifício, serviço.
Paulo, por sua vez, destaca que
os dons — apóstolo, profeta, líder — existem para a edificação do Corpo de
Messias (1 Coríntios 12). Não buscamos a glória pessoal, mas a fidelidade ao
propósito maior.
Autoridade Humana Subordinada
à Lei Divina
Shoftim lembra claramente que até
o rei deve ler a Torá todos os dias para não se desviar (Deuteronômio 17) [4].
O poder humano é legítimo, mas deve sempre ser contido. O profeta existe para
corrigir o excesso, para trazer o povo de volta para a fidelidade.
Yeshua e os apóstolos também
exemplificam essa autoridade responsável: Ele ensina que a grandeza está em
servir (Marcos 10:43), e Paulo ensina que o poder é resultado da graça, não da
autossuficiência.
Cidades de Refúgio, Testemunho
e Misericórdia
Shoftim possui outras lições
valiosas: das cidades de refúgio, que acolhem quem matou sem intenção;
das leis contra as testemunhas falsas; das regras de guerra restrita; do
lamento diante de crimes não resolvidos — todas mostrando preocupação com vida,
verdade e dignidade.
Yeshua, nos Evangelhos, estende
esse espírito de justiça com misericórdia. Ele não rejeita os considerados impuros,
mas convive com eles. Ele defende a verdade com compaixão, trazendo graça à
lei.
Os apóstolos continuam essa
melodia de justiça suave: Tiago diz que a fé sem obras é morta, e João adverte
que quem ama a Elohim deve amar o próximo (Tiago 2; 1 João 4).
Conclusão
Shoftim nos oferece um mapa
precioso para uma sociedade justa:
·
Justiça imparcial que
protege vidas.
·
Profecia que inspira
esperança, testada pelo fruto que produz.
·
Liderança dividida, para
prevenir abusos e manter equilíbrio.
·
Autoridade sempre
sujeita à Torá, ao serviço ao próximo e ao propósito divino.
·
Comunidade que valoriza
misericórdia, refúgio e respeito à verdade.
Yeshua e os apóstolos não vieram
para revogar tudo isso, mas para cumprir e aprofundar. Eles encarnam o profeta
de Shoftim — não apenas porque anunciavam, mas porque viveram o Reino que
proclamaram.
Que possamos ser uma geração
assim: justa, sábia, humilde, profética. Em meio a um mundo marcado por
incertezas políticas e por sistemas judiciais frequentemente questionados,
sejamos guiados pela voz de Yeshua e pela justiça da Torá. Que nossas ações construam
uma sociedade mais compassiva e íntegra, onde a autoridade não oprime, mas
serve; não se corrompe, mas promove a vida.
Que, ao ouvirmos o Profeta
prometido — Yeshua — aprendamos a ser luz em tempos de escuridão e esperança em
meio à instabilidade.
Francisco Adriano Germano
Notas
[1]:
https://en.wikipedia.org/wiki/Shofetim_%28parashah%29?utm_source=chatgpt.com
"Shofetim (parashah) - Wikipedia"
[2]: https://rabbisacks.org/covenant-conversation/shoftim/testing-prophecy/?utm_source=chatgpt.com
"Testing Prophecy | Shoftim | Covenant & Conversation"
[3]:
https://rabbisacks.org/covenant-conversation/shoftim/learning-leadership/?utm_source=chatgpt.com
"Learning and Leadership | Shoftim | Covenant & Conversation"
[4]:
https://rabbisacks.org/covenant-conversation/shoftim/the-consent-of-the-governed/?utm_source=chatgpt.com
"The Consent of the Governed | Shoftim | Covenant & Conversation"

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